Recentemente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)divulgou um relatório que revela um lucro líquido de R$ 3,33 bilhões para as operadoras de planos de saúde no Brasil no primeiro trimestre de 2023. Este é o melhor resultado para o período desde 2019. Este artigo jurídico analisa os fatores que contribuíram para esse desempenho financeiro, as implicações para os consumidores e o setor de saúde suplementar, além das possíveis respostas regulatórias e políticas.

Contexto econômico e setorial

Antes de tudo, para entendermos o que levou o setor ao recorde de lucro desde 2019, bem como seus impactos, é fundamental analisarmos o contexto econômico e setorial, em diversos fatores que abordaremos a seguir:

Recuperação pós-pandemia

A pandemia de COVID-19 teve um impacto significativo no setor de saúde suplementar. Durante os picos da pandemia, houve uma redução nas consultas eletivas e procedimentos não urgentes, o que resultou em uma diminuição temporária dos custos operacionais para as operadoras de planos de saúde.

Porém, com a retomada das atividades normais, o setorcomeçou a se recuperar, refletindo no aumento dos lucros.

Aumento da demanda por planos de saúde

A pandemia também aumentou a conscientização das pessoas sobre a importância de ter um plano de saúde. Nesse sentido, muitos que anteriormente dependiam exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) passaram a optar por adquirir planos de saúde privados.

Essa decisão certamente também contribuiu para o crescimento da base de clientes das operadoras.

Ajustes de preços

Outro item que contribuiu para o lucro recorde foi o reajuste dos preços dos planos de saúde. A ANS autoriza reajustes anuais com base em diversos fatores, incluindo a inflação médica, que geralmente é superior à inflação geral. Esses reajustes ajudam as operadoras a manterem suas margens de lucro, mesmo diante de aumentos nos custos operacionais.

 

Lucros: uma análise jurídica e regulatória

O papel da ANS

A ANS é a agência reguladora responsável por supervisionar o setor de saúde suplementar no Brasil. Sobretudo, sua missão é garantir o equilíbrio entre a sustentabilidade financeira das operadoras e a proteção dos direitos dos consumidores.

Nesse sentido, a divulgação do lucro recorde levanta questões sobre a eficácia da regulação e a necessidade de ajustes para garantir que os benefícios sejam compartilhados de maneira mais equitativa.

 

O Código de Defesa do Consumidor (CDC)

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que os consumidores têm direito a informações claras e precisas sobre os serviços contratados. Além disso, proíbe práticas abusivas e garante a proteção contra aumentos de preços injustificados.

A disparidade entre os lucros das operadoras e as dificuldades enfrentadas pelos consumidores para acessar serviços de saúde de qualidade pode indicar a necessidade de uma revisão das práticas comerciais e regulatórias no setor.

 

Judicialização da Saúde

A judicialização da saúde é um fenômeno crescente no Brasil, onde os consumidores recorrem ao Judiciário para garantir o acesso a tratamentos e procedimentos negados pelos planos de saúde.

A alta lucratividade das operadoras eventualmente pode ser vista como um indicativo de que há margem para melhorar a cobertura e reduzir a necessidade de ações judiciais.

Para tanto, a ANS e o Judiciário devem trabalhar juntospara encontrar soluções que equilibrem os interesses das operadoras e dosconsumidores.

 

Lucro das operadoras e as implicações para os consumidores

Acessibilidade e qualidade dos serviços

Embora o lucro recorde das operadoras possa ser visto como um sinal de saúde financeira do setor, ele também levanta preocupações sobre a acessibilidade e a qualidade dos serviços oferecidos. Os consumidores frequentemente enfrentam dificuldades para acessar tratamentos e procedimentos, especialmente aqueles de alto custo. A ANS deve garantir que os lucros das operadoras sejam reinvestidos na melhoria dos serviços e na ampliação da cobertura.

Reajustes de preços

Os reajustes anuais dos preços dos planos de saúde são uma preocupação constante para os consumidores. Embora sejam necessários para cobrir os custos crescentes, eles também podem tornar os planos de saúde inacessíveis para muitas famílias. A ANS deve monitorar de perto os reajustes e garantir que sejam justificados e proporcionais aos custos operacionais das operadoras.

Transparência e Informação

A transparência é fundamental para garantir que os consumidores possam tomar decisões informadas sobre seus planos de saúde. Assim, a ANS deve exigir que as operadoras forneçam informações claras e detalhadas sobre os serviços cobertos. Igualmente, deve informar sobre os critérios para autorizações de procedimentos e os motivos para negativas de cobertura. Isso ajudará a reduzir a assimetria de informações e a proteger os direitos dos consumidores.

 

Respostas regulatórias e políticas

Aqui, reforçamos o papel relevante que a ANS, como órgão regulador, tem para assegurar o equilíbrio do mercado, por meio das variadas atuações da agência:

Fortalecimento da regulação

A ANS deve fortalecer sua capacidade regulatória para garantir que as operadoras de planos de saúde cumpram suas obrigações e ofereçam serviços de qualidade a preços justos. Isso pode incluir a revisão dos critérios para reajustes de preços, a fiscalização das práticas comerciais, além da imposição de penalidades para operadoras que violarem os direitos dos consumidores.

Incentivos para melhoria da qualidade

A ANS pode criar incentivos para que as operadoras invistam na melhoria da qualidade dos serviços oferecidos. Nesse sentido, pode incluir a criação de programas de acreditação para hospitais e clínicas, a promoção de boas práticas de atendimento e a implementação de indicadores de qualidade que sejam monitorados regularmente.

Promoção da concorrência

A promoção da concorrência no setor de saúde suplementar pode ajudar a reduzir os preços e melhorar a qualidade dos serviços. A ANS deve incentivar a entrada de novas operadoras no mercado e garantir que as regras de concorrência sejam justas e transparentes. Dessa forma, pode incluir a revisão das barreiras regulatórias e a promoção de parcerias público-privadas para ampliar a oferta de serviços de saúde.

Educação e conscientização dos consumidores

Por fim, a ANS deve investir em programas de educação econscientização dos consumidores sobre seus direitos e deveres em relação aosplanos de saúde. Campanhas de informação, a criação de guias e manuaisexplicativos e a promoção de eventos e workshops para esclarecer dúvidas eorientar os consumidores são exemplos de boas iniciativas.

 

Lucro das operadoras: interesses não devem sermeramente econômicos

Pudemos observar que o lucro recorde de R$ 3,33 bilhõesalcançado pelas operadoras de planos de saúde no primeiro trimestre de 2023 éum indicativo da recuperação do setor, principalmente após os desafios impostospela pandemia de COVID-19.

No entanto, a recuperação financeira do setor deve seracompanhada de uma análise crítica sobre a acessibilidade e a qualidade dosserviços oferecidos aos consumidores.

Dessa forma, a ANS, como órgão regulador, tem aresponsabilidade de garantir que os benefícios dessa recuperação sejamcompartilhados de maneira equitativa entre as operadoras e os consumidores. Ouseja, isso inclui a revisão dos critérios para reajustes de preços, ofortalecimento da fiscalização das práticas comerciais e a promoção datransparência e da informação.

Foco total no paciente

É fundamental que o setor de saúde suplementar adote uma abordagem mais centrada no paciente. É necessário investir na melhoria da qualidade dos serviços e na ampliação da cobertura. A promoção da concorrência e a educação dos consumidores também são estratégias essenciais para garantir um sistema de saúde suplementar mais justo e eficiente.

Afinal, a saúde da população brasileira não pode ser refém de interesses meramente econômicos. A busca pelo lucro deve ser equilibrada coma responsabilidade social e o compromisso com a qualidade dos serviços de saúde.

É com esse espírito que será possível construir um sistema de saúde suplementar que atenda às necessidades e expectativas dos consumidores, garantindo o acesso a tratamentos e procedimentos de qualidade apreços justos.

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Natália Soriani
4/11/2024